É curioso como alguns pratos demoram muito mais do que outros para cair no gosto popular. Evidentemente, a disponibilidade dos insumos pode ser um fator para essa diferença, mas, na maioria das vezes, pode ser apenas uma resistência infundada. Esse talvez seja o caso do risotto (ou risoto, em português), afinal, que outra razão justificaria o fato de – em um país com uma relevante influência italiana decorrente da presença inestimável desse povo por aqui, além de já termos o hábito consolidado de comer muito arroz – não haver uma disponibilidade maior ou mesmo uma cultura incorporada de comermos risoto?
O cenário mudou há algumas décadas e hoje, finalmente, o risoto não assusta mais ninguém. A versatilidade faz dele um prato capaz de agradar os mais diferentes gostos, sendo, portanto, difícil achar alguém que “realmente” não goste dessa receita ao mesmo tempo simples de ser elaborada e que nos faz sentir um conforto digno de colo de mãe.
A essência do risotto
Como qualquer prato, para se obter um risoto perfeito é necessário partir de ingredientes de qualidade. O primeiro deles é, sem dúvida, o arroz. Há uma dezena de tipos de arroz para risoto, mas utilizando um bom Arbório ou Carnaroli, o caminho certo está traçado. O primeiro exige muita atenção na hora do cozimento, pois é fácil deixá-lo passar do ponto. O Carnaroli é um arroz de qualidade superior, com grãos mais robustos, o que faz com que seja mais difícil deixá-lo mole em demasia.
O segundo ingrediente mais importante é o caldo. É ele que será absorvido pelo arroz, dando o gosto essencial ao grão. Nada substitui um caldo feito em casa, utilizando ossos (quando for o caso), cebola, salsão, cenoura, alho, ervas. O caldo varia conforme o risoto que se pretende fazer, podendo ser, entre outros, de legumes, peixe, camarão, aves, vitelo ou gado.
Versatilidade é um dos trunfos do risoto para agradar a todos os paladares
Outro ingrediente essencial é o queijo. Ele contribui não apenas com o gosto, mas também com a consistência do risoto. Mais uma vez, podem ser usados diversos tipos, sendo o parmesão, sobretudo o Grana Padano e o Pecorino, os mais recorrentemente utilizados e indicados.
O preparo exige uma panela com a lateral alta e não muita larga, de forma que o caldo não evapore com muita facilidade, mas sim, incorpore-se ao prato. Mas o grande segredo do risoto é acertar o ponto. O grão não pode estar duro nem mole demais (o que decorre de tempo de cocção de menos ou de mais). Ele deve estar “al dente”, ou seja, macio por fora e firme por dentro. Só a prática ensinará a encontrar o ponto ideal, que vai variar com o tamanho da panela, da potência do fogo, da temperatura do caldo etc, mas, em geral, para dar um parâmetro, fica entre 18 e 22 minutos.
Partindo de arroz, caldo e queijo, o risoto pode alcançar praticamente qualquer intensidade e corpo. Isso é fantástico do ponto de vista gastronômico e desafiante em termos de harmonização
Partindo desses ingredientes, o risoto é uma tela em branco. Com ele, pode-se alcançar praticamente qualquer intensidade e corpo. Isso é fantástico do ponto de vista gastronômico e desafiante em termos de harmonização.
O desafio não está relacionado à dificuldade nesse caso, mas, sim, na necessidade de permanente atenção aos componentes do prato. Sendo assim, utilizamos três risotti (o plural da palavra italiana é feito com “i”) diferentes para exemplificar as variações na harmonização: Risotto con i Gamberi, Risotto con i Funghi e Risotto di Ragu d’Agnello. Como qualquer bom prato, os risotos possuem algumas dezenas de receitas diferentes para cada tipo. Assim, sempre atentos aos componentes, a harmonização também variará de acordo com a receita.
Camarões
O Risotto con i Gamberi é um bom exemplo disso. A maioria das receitas, não apenas de camarões, mas de qualquer peixe ou fruto do mar, não inclui queijo no preparo, apenas manteiga. Mas há dezenas de exemplos que mostram que essa “regra” pode ser transgredida. A cremosidade do prato (seja oriunda da manteiga ou do queijo) nos indica imediatamente um Chardonnay com alguma madeira. Além dos grandes Borgonha, podemos citar os americanos do Napa e Sonoma, e os australianos de Margaret River.
Porém (sempre há um porém), muitas receitas utilizam alguns elementos de acidez, como tomates, raspas de limão ou até mesmo morangos. Essa nova ponte abre outros caminhos, que começam com um Champagne, um Franciacorta, ou qualquer belo exemplar de espumante. Entre as opções abertas pela acidez estão ainda Sauvignon Blanc, que pode ser um Sancerre ou um Pouilly Fumé, Muscadet, Orvieto, Verdicchio dei Castelli di Jesi ou Assyrtiko. Mas há um vinho que atende aos requisitos dos dois grupos anteriores, pois trata- -se de um Chardonnay que ao mesmo tempo possui uma acidez cítrica notável junto a um outro elemento (também presente em alguns dos vinhos citados anteriormente) que faz a terceira e definitiva ponte com o prato: a mineralidade inigualável. O mineral do vinho harmoniza-se perfeitamente com a salinidade marítima do camarão. Não importa aonde esteja, ao harmonizar um Risotto con i Gamberi com um Chablis e fechar os olhos, você será suavemente transportado para a beira do mar com aquela perfeita brisa a soprar no rosto e a acariciar a alma. Outras harmonizações podem alcançar esse nível, superá-lo é pouco provável.
Funghi
O Risotto con i Funghi é muito tradicional e ganhou as nossas mesas. Muitas vezes, ele não é servido como um “primo piatto” ou isolado. É bastante comum vermos essa receita escoltando carnes vermelhas. No entanto, a harmonização proposta considera o risoto desacompanhado. Dessa forma, o prato não ganha corpo adicional e deixa os cogumelos exercerem o papel de protagonistas.
Os cogumelos são elementos terrosos. Esse paladar e o corpo do prato são as peças-chave para uma harmonização que clama por um Pinot Noir, ou então Barbera e Dolcetto
Os cogumelos são elementos terrosos, que nos remetem aos bosques úmidos nos quais crescem espontaneamente. Esse paladar e o corpo do prato são as peças-chave nessa harmonização. Esse risoto possui corpo médio, que pede um vinho tinto, porém com corpo semelhante e taninos macios e domados. Quando somamos isso ao sabor dos cogumelos, um nome desponta: Pinot Noir.
Essa harmonização é quase tão antiga quanto a civilização (um pequeno exagero), pois funciona. Os Pinot muito frutados como os da Nova Zelândia ou do Oregon (na verdade, de quase todo Novo Mundo), não são a melhor opção. Um Côte de Nuits opera maravilhas com esse prato, embora você talvez prefira reservar suas melhores garrafas para um prato mais elaborado. Outras duas excelentes opções que adicionam o caráter “local” à harmonização são os italianos Barbera e Dolcetto (das diversas regiões). Assim como o Pinto Noir, esses italianos possuem a acidez necessária para “cortar” a gordura do prato e fornecer a estrutura que constrói gigantes da mesma estatura. Pelo menos uma vez por semana deveria ser obrigatório.
Cordeiro
O Risotto di Ragu d’Agnello é um prato bem mais encorpado. É difícil vê-lo como um “primo piatto”, pois é capaz de, sozinho, satisfazer qualquer um. Além dos elementos já mencionados dos risotos, como a untuosidade, por exemplo, a carne de cordeiro adiciona mais um elemento de gordura. Não estamos mais falando apenas de manteiga e queijo, agora há proteína e gordura combinados. Para tornar o embate justo, precisamos de taninos, acidez e corpo. Você certamente já tem alguns nomes em mente. Se pensou nos Bordeaux do Médoc, estamos falando a mesma língua.
Um risoto com ragu de cordeiro, além da untuosidade, há um elemento de gordura e proteína, que certamente combinaria com um Bordeaux do Médoc
Todos esses elementos estão presentes, seja em Pauillac, Margaux, Saint-Éstèphe ou Saint-Julien. Mas nem só de Bordeaux vive essa harmonização. A lista é grande, mas, para citarmos apenas alguns, vamos com: Hermitage, Châteauneuf-du-Pape, Brunello di Montalcino, Barolo, Barbaresco, Malbec, Shiraz australianos, Cabernet Sauvignon americanos, sobretudo do Napa, e os bons sul-americanos da mesma uva. Não há como errar. O único erro possível aqui é não testar essa harmonização.
Confúcio dizia que comprava arroz para viver e flores para ter algo pelo que viver. Se ele tivesse provado um bom risoto, bastaria o arroz.
Receita de Risotto con i Gamberi
Ingredientes
• 350 gramas de arroz Carnaroli
• 450 gramas de camarão médio/grande descascados, sem cabeça e rabo
• 1 cebola média picada
• 4 dentes de alho descascados cortados grosseiramente
• 150 gramas de tomates pelados picados
• 200 ml de vinho branco seco
• 1,5 l de caldo de galinha
• 2 colheres de sopa de azeite de oliva
• 2 colheres de sopa de manteiga
• 100 gramas de queijo parmesão ralado
• ¾ de xícara de salsinha picada
• Raspas de ½ limão siciliano
• Sal • Tabasco (opcional)
Modo de fazer
1 – Ferva uma panela grande com água. Quando levantar fervura, desligue o fogo e acrescente os camarões. Mantenha-os na água quente por 5 minutos. Retire os camarões da água quente e transfira para uma tigela com água fria e cubos de gelo para interromper o cozimento.
2 – Mantenha o caldo de galinha aquecido no fogão.
3 – Em uma panela com laterais altas, aqueça duas colheres de azeite de oliva e uma de manteiga em fogo alto. Quando estiverem quentes, adicione a cebola picada e o alho. Deixe suar por cerca de cinco minutos cuidando para que não escureçam. Adicione o arroz e frite por mais alguns minutos. Adicione o vinho branco e mexa até que todo o vinho tenha secado. Reduza o fogo para médio. Adicione o tomate e repita o processo. Adicione metade da salsinha picada. A partir desse ponto, passe a incorporar uma concha de caldo de galinha sempre que o risoto estiver secando. Siga sempre mexendo o risoto para que libere mais o amido e para que cozinhe uniformemente. Depois de cerca de 18 minutos, adicione os camarões. Passe a testar o ponto do arroz. Quando estiver “al dente”, ou seja, macio por fora, mas firme por dentro, desligue o fogo.
4 – Adicione uma colher de manteiga, o queijo parmesão, as raspas de limão, salsinha e algumas gotas de Tabasco (se desejar), ajuste o sal e misture bem. Tampe e deixe repousar de três a cinco minutos. Sirva.